domingo, 3 de abril de 2011

Entrevista a Bruno Lage



1- Num inquérito por nós realizado, 32% dos inquiridos considera Faro uma cidade atractiva do ponto de vista paisagístico. Qual a sua opinião enquanto perito?

Esse resultado revela que a esmagadora maioria dos inquiridos considera Faro pouco ou nada atractivo em termos de paisagem urbana e de facto têm razão. Faro tem sido vítima de um fatal e danoso planeamento urbanístico, assente na construção desenfreada e pouco cuidada de novos fogos habitacionais, onde faltaram acessibilidades bem planeadas, estacionamentos, áreas verdes e enquadramento paisagístico.

Por outro lado, Faro, cresceu de costas voltadas para a Ria Formosa, que tem um valor paisagístico excepcional e não soube aproveitar essa mais-valia. De referir que até há muitos poucos anos esta laguna era vista como um “pântano” junto da cidade, sem valor de maior, onde eram debitados sem qualquer tipo de tratamento os esgotos domésticos e industriais e onde eram depositados lixos e entulhos diversos.
Faro de uma vez por todas, tem de libertar-se da teia da política da construção desenfreada, como sendo o vector de grande desenvolvimento económico do município. Este é um conceito ultrapassado, caduco e que já em nada ajuda a cidade a atingir um patamar de excelência.

É fundamental que surja uma nova cultura de “pensar a cidade” baseada na exigência, na inovação, na criatividade e de mãos dadas com a Ria Formosa e as suas ilhas barreira.


2- Pensa que as potencialidades de Faro estão a ser bem aproveitadas, visto que se trata de uma cidade costeira?

 Faro tem um enorme potencial nesta área e não está a ser minimamente aproveitado.
Faro tem o privilégio de ver uma enorme área do seu concelho inserida no Parque Natural da Ria Formosa. Contudo, esta realidade tem sido vista por muitos responsáveis como uma ameaça e um entrave ao desenvolvimento do município quando, antes pelo contrário, deve ser vista como uma poderosa fonte de oportunidades.
Para além de ser possuidora de uma riqueza incalculável em termos de biodiversidade e de paisagens naturais, que importa aproveitar e não desperdiçar, alia-se um conjunto de praias de grande qualidade e de água límpida. Convém não esquecer o clima ameno, agradável, simpático e convidativo que permite uma boa interligação com o meio natural durante todo o ano e que permite uma aposta forte no desporto náutico e no turismo náutico e de natureza.
Para além do que referi importa não esquecer as actividades ligada aos produtos da ria (mariscadores, pescadores e viveiristas) que importam serem valorizados.

3- Considera que há falta de espaços desportivos em Faro? E os que existem estão em boas condições?

 A carência de espaços desportivos em Faro é enorme e nem todos estão nas melhores condições. Neste momento, a população farense está a recorrer aos hiper-lotados pavilhões escolares e de clubes, que infelizmente não oferecem as condições ideais para uma prática desportiva mais rigorosa e metódica. É essencial que o pavilhão Gimnodesportivo que se encontra praticamente pronto há mais de 4 anos seja disponibilizado à população farense. Não se pode admitir que Faro, capital de uma das regiões mais desenvolvidas do nosso país continue, em 2011, privada de um equipamento desta natureza.
Por outro lado, é fundamental criar condições para se desenvolver o desporto náutico na Ria Formosa que tem condições excepcionais para a prática da canoagem, do remo, da vela, do windsurf, do surf, do bodyboard e do kitesurf.

4- O que falta a Faro em termos de espaços de lazer?

Por exemplo falta criar na mata do Pontal (o grande Pulmão verde do concelho de Faro) um Parque Ambiental, que permita a interacção entre a população farense e a natureza, sendo um excelente local para actividades de recreio e lazer e ainda para acções de sensibilização e educação ambiental e mesmo para desenvolver actividades ligadas ao turismo de natureza.
Para além do que referi, na minha opinião faz falta um parque de campismo, uma rede de ciclovias, o pavilhão gimnodesportivo e um parque de feiras e exposições.

5- Qual a sua opinião acerca da construção/demolição na praia da Faro?

A Praia de Faro é um dos locais mais sensíveis do litoral português pois a sua estreita faixa de areia está fortemente urbanizada, encontrando-se nela quase 700 casas, que acolhem durante a época de Verão as cerca de 4 mil pessoas, a que se juntam cerca de 6 mil veraneantes que diariamente ali se deslocam por automóvel, barco, moto, bicicleta ou autocarro lotando por completo os mais de mil lugares de estacionamento e entupindo a estrada longitudinal de alcatrão que atravessa a praia. Por estes motivos, esta praia é um dos maus exemplos de ordenamento do litoral algarvio e do país e um dos locais que maior risco ambiental apresenta.
São vários os problemas associados a esta praia: a construção, o pisoteio das dunas, a poluição e o tráfego automóvel, que debilitam o cordão dunar e aumentam a erosão costeira, a degradação ambiental e os riscos de catástrofe. Contudo, não se pode esquecer o papel determinante que os esporões da Marina de Vilamoura e os molhes da praia de Quarteira tiveram no aumento acentuado da erosão nesta faixa de litoral, ao interromperem de forma abrupta a deriva litoral que é a grande responsável pelo fornecimento de areias.
O grande número de pessoas que, principalmente no Verão acede à praia, origina um estacionamento sobrelotado e caótico que aliado à acessibilidade quase única que é a “ponte da Ilha”, com uma só via e semáforos, provoca congestionamentos de trânsito com grandes consumos de combustível e emissões desproporcionadas de ruído e de gases poluentes em pleno Parque Natural da Ria Formosa.
Para combater este cenário nada animador para o ambiente e para a sustentabilidade da própria praia, é urgente encontrar uma política de gestão correcta e equilibrada para esta estreita língua de areia, sem fundamentalismos exacerbados e com opções técnicas que permitam efectivamente a recuperação do sistema dunar e a fixação de areias sob pena de num curto espaço de tempo esta ter sofrido danos irreparáveis. Estou convencido que é com esse propósito que a Sociedade Polis está a trabalhar.
Quanto às demolições na praia de Faro, devo dizer que desconheço o plano de pormenor que está previsto para o local e desconheço com rigor o número de casas que vai abaixo e qual os critérios utilizados para decidir as demolições. No entanto posso adiantar que qualquer intervenção que seja decidida deve ser realizada com bom senso e sem fundamentalismos exacerbados de parte a parte. O Homem é parte integrante do Ambiente e com ele deve saber interagir e respeitar e se assim for, todos ficam a ganhar. Na minha opinião os pescadores e mariscadores deveriam continuar a viver na praia, pois este é o seu local de trabalho, embora admita que muitas das suas habitações fossem relocalizadas noutros pontos da praia. 

6- Qual(is) a(s) zona(s) mais degradada(s) na cidade? Porquê?

São várias as zonas. Temos a periferia da cidade que foi crescendo de forma galopante e sem grandes cuidados em termos urbanísticos e paisagísticos. E o resultado final foi ter uma periferia desleixada, desordenada e com acessibilidades insuficientes.
Depois surge a área Industrial do Bom João que se apresenta num estado de degradação e abandono quase total. E na baixa da cidade começa a surgir uma vasta área de casas devolutas com portas e janelas emparedadas que vão transformando esta parcela de Faro numa “cidade fantasma”, que tem características fatais para o desenvolvimento de uma cidade que se quer equilibrada, competitiva e com qualidade de vida.
De facto, este fenómeno normalmente conhecido como “Efeito Donut”, ou se preferirmos o esvaziamento dos centros urbanos, está neste momento a tornar-se uma realidade em diversas cidades, onde Faro não foge à regra sendo comum, como já referi, a depararmo-nos com inúmeras casas fechadas, emparedadas e num estado de degradação acentuado, onde por vezes, se assiste derrocadas de maior ou menor gravidade. Algumas dessas casas, muitas vezes tornam-se por parte de toxicodependentes em autênticas “salas de chuto”, ou em depósito de lixos e entulhos com as repercussões que isso implica em termos de saúde pública.
De referir que as cidades têm vindo a assumir um papel determinante, enquanto centros de decisão política, cultural e económica o que efectivamente condicionou as formas de habitação e onde Faro, não é excepção. Nesta cidade tem-se verificado um ritmo de construção e uma especulação imobiliária superior à média do território nacional.
Em consequência deste fenómeno temos a franja mais jovem da sociedade (jovens famílias) a fixarem-se na periferia onde os preços das habitações são mais acessíveis, enquanto se assiste ao envelhecimento e à desertificação do centro urbano. Como consequência, vê-se o comércio na baixa da cidade a definhar, as ruas com falta de vida e alegria, as habitações a degradarem-se e o sentimento de insegurança a aumentar.

7- Faro respeita as pessoas com deficiências em termos de mobilidade nas ruas?

 Tem havido um esforço nesse sentido, mas ainda está muito longe do que seria desejável. Qualquer pessoa que ande pelas ruas de Faro com facilidade se apercebe que o concelho de Faro não está preparado para permitir uma boa e correcta mobilidade de pessoas com deficiências físicas. Os passeios não têm largura suficiente, em muitos locais o seu piso está em mau estado ou nem sequer existe e até os edifícios e os transportes não estão preparados para facilitar a vida a estas pessoas. Portanto, nesta matéria há muito trabalho para ser feito.

8- Existe falta de espaços para estacionar. Qual seria a melhor solução para resolver este problema?

Na minha opinião, o que existe é falta de espaços para estacionar gratuitos. Pois o parqueamento automóvel pago abrange já uma extensa área da cidade e que na maioria dos casos consegue ter preços mais caros daqueles que se pratica em Lisboa.
Para resolver este problema do estacionamento, há que apostar no uso dos transportes públicos. Mas para que isso aconteça é necessário oferecer ao cidadão circuitos abrangentes e carreiras frequentes e cómodas e na minha opinião deviam ser as empresas que exploram os parquímetros da cidade que deveriam fornecer estes serviços.
Em termos de ligação a outras cidades, sobretudo Tavira, Olhão, Loulé e Albufeira creio que a aposta num metro de superfície seria a melhor opção. Dentro da cidade para além dos transportes públicos há sempre a saudável hipótese de andar a pé ou apostar no uso da bicicleta. Mas para isso é necessário construir ciclovias dignas desse nome, com pisos apropriados e que garantam a segurança dos seus utilizadores. A utilização de scooters eléctricas, até pelo preço elevadíssimo dos combustíveis e por ser fácil de estacionar, é algo que estou convencido que será, num futuro próximo, cada vez mais utilizado.

9- Faro apresenta uma enorme carência de espaços verdes. Quais as desvantagens deste facto e a que se deve essa carência?

Houve duas causas para este fenómeno. A principal causa foi a especulação imobiliária que levou à valorização muito elevada dos terrenos, contribuindo para que cada cm de terreno fosse optimizado ao máximo para a construção. A segunda causa, foi a pouca sensibilidade dos nossos responsáveis para causas como o ambiente e a qualidade de vida. Há mais de 100 anos que não é construído um jardim em Faro e os grandes espaços verdes da cidade resumem-se à mata do Liceu, ao jardim Manuel Bívar e à Alameda João de Deus. Os espaços são de tal maneira diminutos que para chegar aos 5 dedos de uma mão temos de referir a rotunda da entrada de Faro junto ao Fórum Algarve e o separador central da Avenida Calouste Gulbenkian como outros dois grandes espaços verdes da cidade de Faro.
Felizmente dentro de pouco tempo estará pronto um espaço junto ao Fórum onde o cidadão farense poderá ter um espaço relvado para actividades lúdicas, contribuindo para a sua qualidade de vida e para um desenvolvimento psico-social mais saudável, para além de minimizar deficit profundo que Faro tem nesta área.
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